FUTURO DA TRADIÇÃO

 

A queda da produção artesanal de pães na Europa é já uma realidade, motivada pela oferta de pão industrializado em grandes cadeias de supermercados. O setor da panificação a nível europeu está assim a sofrer um conjunto de alterações. José Maria F. del Vallado de la Serna, secretário geral da Union Internationale de la Boulangerie, no XX Congresso Internacional do Trigo identificou um conjunto de tendências que num futuro breve será possível ver acontecer:
1. Inovação: pães feitos com sementes e grãos, pães com maior diversidade de cereais, com o formato de sempre, mas com novos aspetos e ingredientes.
2. Globalização: cada vez mais, os países devem trocar experiências “boas e más” e compartilhar descobertas no sentido de melhorar o mercado global. A iniciativa de estabelecer o Dia Mundial do Pão, em 16 de outubro, foi uma das ações elogiadas pelo secretário.
3. Atração: a imagem do produto, do ponto de venda e até mesmo do padeiro, deve ser cada vez mais atraente para o consumidor. Na Europa, há uma forte campanha publicitária para resgatar o prestígio da profissão de padeiro e atrair jovens para o ofício, a exemplo do que aconteceu com os chefs de cozinha.
4. Diferenciação: a exemplo dos vinhos, os pães tendem a ter identificação de origem e controlo de qualidade, agregando valor ao produto.
5. Profissionalização: a formação será mais e mais valorizada, tornando o mercado mais competitivo e “dignificando” a profissão do padeiro.
6. Aprofundamento: com mais escolas e centros de capacitação, o mercado da panificação ficará cada vez mais preparado e internacionalizado.
7. Saúde: a preocupação com a saúde, com alimentos mais nutritivos, só deve aumentar, ao passo que a química e os aditivos, no setor de panificação, só devem diminuir.
8. Proteção ao consumidor: mais leis, mais direitos, mais informação. O consumidor é a estrela do setor, que só vai ganhar em qualidade.
Nos últimos anos assistimos a um declínio do consumo do pão na europa, devido principalmente a mudanças nos hábitos alimentares da população.
Um estudo realizado no ano de 2016 sobre o consumo de pão em toda a Europa incluindo 17 países na União Europeia reúne alguns destaques:
• O consumo de pão per capita caiu de 67 Kg em 2004, para 63Kg em 2016.
• O consumo de pão fresco, em particular, diminuiu de 51 Kg em 2004 para 46 Kg em 2016.
• As autoridades de saúde recomendam o consumo de pão, embora os números de consumo permaneçam sob o nível de recomendação.
• Os consumidores mais jovens comem menos pão, mas mais fora de casa.
• Os homens costumam comer mais pão do que as mulheres, mas as mulheres comem uma variedade maior de pão.
• Regista-se um aumento na procura de produtos de pão regionais e locais.
• A qualidade, o sabor, a autenticidade com receitas locais que caracterizam o pão na UE são pontos valorizados pelos consumidores da EU.
A dimensão cultural do pão faz com que o setor da panificação represente um forte setor económico na europa.
O setor da panificação a nível europeu integra mais de 190.000 PME e 2.200 grandes empresas que empregam mais de 2 milhões de pessoas na UE.
Na UE-27, o mercado de pão é de cerca de 32 milhões de toneladas e em 2014 representou 79 mil milhões de euros. Os padrões de consumo de pão diferem amplamente na UE, mas a maioria dos países tem um consumo médio de 50 kg de pão/pessoa/ano. Os níveis de consumo mais altos são registados na Bulgária (~ 95 kg), embora o menor consumo esteja no Reino Unido (~ 32 kg). A estrutura do mercado varia em toda a Europa. Por exemplo, no Reino Unido, o setor industrial representa 80% da produção, 40% na Alemanha, 35% na França e 19% na Espanha.
Em 2014, o pão representou 79% em volume do consumo total de produtos de padaria em 2014, enquanto em 2004 foi de 81%. Estes dados mostram que o consumo de pão está em declínio na Europa. Outros produtos de panificação (viennoiserie, pastelaria doce e salgados, ...) têm vindo a conquistar uma proporção crescente.
De acordo com um estudo do GIRA, o consumo de pão per capita da EU-17 diminuiu 0,6%/ano, prevendo-se uma variação adicional de -0,4%/ano no consumo total de pão. Os motivos são múltiplos. Algumas tendências da população global podem influenciar o consumo de pão, como os consumidores mais jovens que, diariamente, consomem menos pão. A crise também modificou hábitos de consumo.
O padrão de consumo de pão está em mudança. O pão enfrenta forte concorrência com outros produtos alimentares, como é o caso dos cereais de pequeno almoço e os biscoitos.
Alemanha, França, Itália e Reino Unido são os países que mais pão consomem na europa, de acordo com os dados da FEDIMA Federation of the European Union Manufacturers and Suppliers of Ingredients to the Bakery, Confectionery and Patisserie Industries.
O mercado de produtos de panificação está avaliado no seu todo em 137.000 milhões de euros, dos quais o pão representa 73.000 milhões de euros.
Alemanha
A Alemanha é o 5º maior mercado de panificação do mundo e o maior da União Europeia, com um volume total de vendas de cerca de 14,8 mil milhões de euros em 2016. Apesar da maturidade do mercado o setor da panificação continua com um crescimento positivo de 1,0% entre 2015 e 2016.
O número de padarias artesanais nos últimos 60 anos diminuiu de cerca de 50.000 na área federal mais antiga, para 11.737 empresas com 35.000 lojas e cerca de 47.000 pontos de venda. O número médio de colaboradores por empresa é 23,3.
Uma forte evolução tem-se vindo a verificar no nível de organização as empresas de panificação alemãs. Cerca de 61% das empresas são membros de associações de produção local de acordo com a zona geográfica em que atuam. Além do seu próprio valor agregado, as empresas contribuem para um elevado nível de investimentos no seu país. A cada ano as empresas investem cerca de 500 milões de euros em máquinas, veículos e equipamento.
Em 2021, as vendas deverão alcançar um valor de 14,6 mil milhões, um valor inferior em cerca de 197,2 milhões de euros relativamente a 2016. A maturidade e a saturação de mercado, juntamente com a dimensão do mercado dificilmente será superada com ações de marketing desenvolvidas pelos fabricantes das marcas e pelos retalhistas.
Em termos competitivos, os produtos de panificação alemães continuam a ser caracterizados por uma grande parcela de produtos artesanais que representam cerca de 57% do total de vendas no retalho.
A população alemã consome em média cerca de 60 Kg de pão/pessoa/ano, tornando assim a Alemanha um dos maiores países consumidores de pão da Europa Ocidental.
O pão, na sua comercialização, está dividido em três categorias: pão embalado/industrial, pão não embalado artesanal e substitutos do pão. O pão não embalado artesanal apresentou em 2009, as maiores vendas no retalho, enquanto que os substitutos do pão tiveram as menores vendas em valor.
Há uma maior procura de pães étnicos na europa, graças à imigração e ao turismo. A Alemanha produz mais de 500 mil toneladas de pão turco para a população turco-alemã, representando assim cerca de 10% de toda a produção de pão alemão.
França
O setor de panificação é um setor de atividade de elevada importância na economia francesa. Caracteriza-se por uma clientela fiel que varia com a idade e uma procura crescente, mas também por uma oferta de produtos altamente competitiva.
Os franceses estão fortemente ligados à padaria artesanal tradicional, no entanto a intensificação da atividade industrial da panificação, tem vindo a alterar o cenário tradicional do setor.
Esta evolução é devida a uma mudança no modo de consumo da população que se tem vindo a verificar desde a 2ª Guerra Mundial, com o surgimento dos super e dos hipermercados.
A indústria francesa do pão é uma indústria muito forte na economia do país. Para ilustrar a relevância desta indústria listam-se em seguida alguns factos relativos a 2016:
• Volume de negócios anual indústria da panificação francesa: 11 mil milhões de € (inclui vendas de pastelaria).
• 180.000 pessoas trabalham na indústria da panificação: 100.000 empregados, 22.000 aprendizes, 60.000 empresários e cônjuges.
• 51% dos empregados são mulheres com uma média de idades de 33,6 anos e 49% homens com uma idade média de 30,2 anos,
• 32.000 empresas e cerca de 35.000 padarias independentes em França.
• 77% das empresas têm menos de 6 empregados.
• Número de baguetes produzidas em França por ano: mais de 10 mil milhões, 320 baguetes/segundo.
• 12.000 milhões de consumidores visitam as padarias diariamente.
• As padarias tradicionais detêm cerca de 60% do mercado do pão
• 98% da população em França consome pão, 83% consome diariamente.
• Em França a média de consumo de pão é de 130 g/dia ou 58 Kg/ano.
• 86% da população considera o pão um alimento saudável.
• 82% da população considera o pão essencial a uma dieta equilibrada
• Consumo de pão em França em declínio.
Em 40 anos, 40% das padarias fecharam. Em 2016, o mercado do pão é de 65% para as padarias artesanais, 25% para as padarias industriais, 9% para supermercados e 1% para o pão caseiro.
Itália
Nos dias de hoje a indústria do pão e a indústria dos substitutos do pão, é um setor de grande relevo na indústria agroalimentar italiana, contando com um elevado conjunto de produtos que diferem no seu tamanho, na forma, na receita, na cor e na forma como irão ser consumidos.
Anualmente, cerca de 3,2 milhões de toneladas de pão são produzidas e consumidas em Itália: 90% do pão tem origem nos fornos artesanais e 10% na indústria.
O consumo doméstico de pão, ou seja, todo o pão comprado em lojas tradicionais equivale a cerca de 2,6 milhões de toneladas. No entanto, no carrinho de compras o pão fresco tem vindo gradualmente a ser substituído por pão de produção industrial e por substitutos do pão. Esta tendência já se tem vindo a verificar desde o ano de 2010, com uma queda de 3 a 4% para o pão a granel, contra um aumento de mais de 4%, nas compras de substitutos do pão.
O consumo do pão estabilizou nos últimos anos e 85,9% dos consumidores preferem o pão artesanal o que representa 1.638 milhões de toneladas consumidas. O pão industrial representa 7,8% e o pão congelado 6,3%. O segmento dos produtos artesanais com o pão produzido com ingredientes selecionados (cereais integrais, multivitaminas, baixo teor em sódio, fibras) é o segmento mais dinâmico, com um crescimento de 5% nos últimos cinco anos.
Os produtos de padaria tradicional representam o canal de vendas mais forte (43,6%), seguido das grandes superfícies (25,6%). Há também uma presença crescente do pão artesanal na restauração que já representa cerca de 10%.
Com o declínio do consumo de pão que se tem vindo a sentir em Itália, existe uma preocupação por parte das entidades do setor que aponta para o risco em que poderão estar os pães de tradição popular italiana, dos quais cinco foram reconhecidos pela União Europeia: a Coppia Ferrarese, a Pagnotta del Dittaino, o Pane Casareccio di Genzano, o Pane di Altamura e o Pane di Matera. Estes produtos estão registados a nível comunitário, o que permitiu à Itália ser reconhecida a nível europeu pelas especialidades tradicionais de diferentes regiões.